discutindo “Os Elefantes Não Esquecem” e a memória de Agatha Christie
hoje o papo é sobre um dos livros mais polêmicos de Agatha Christie: Elefantes Não Esquecem. Apesar de ser o último romance de Hercule Poirot escrito pela Rainha do Crime, ele não foi o último a ser publicado – esse posto ficou com Cai o Pano, lançado mais tarde, mas que já havia sido escrito durante a Segunda Guerra Mundial. Há muito o que discutir sobre Elefantes Não Esquecem: seu enredo, suas nuances, e até o que ele pode nos dizer sobre a saúde da autora na época em que foi escrito. Vamos mergulhar nesse mistério juntos?
A trama de “Elefantes Não Esquecem”
No centro da história, temos Ariadne Oliver, a escritora de mistério amiga de Poirot, que é abordada de forma abrupta por uma mulher inconveniente em um evento. Essa mulher faz uma pergunta inesperada: “Foi o pai que matou a mãe, ou a mãe que matou o pai?”. A questão está ligada a uma tragédia ocorrida há mais de 12 anos, envolvendo a morte misteriosa de um casal, os Ravenscroft, encontrados ao pé de um penhasco, em circunstâncias nunca esclarecidas.
Ariadne, intrigada e incomodada, resolve pedir a ajuda de Poirot para desvendar o mistério. A investigação se desenrola em dois eixos: enquanto Ariadne entrevista velhas conhecidas do casal – as “elefantes” que, segundo ela, nunca esquecem nada –, Poirot conversa com policiais e outras testemunhas ligadas ao caso.
A narrativa tem paralelos evidentes com outro livro de Christie, Os Cinco Porquinhos, em que também temos um mistério do passado desvendado por relatos de testemunhas. Porém, ao contrário do impacto de Os Cinco Porquinhos, Elefantes Não Esquecem falha em oferecer a mesma profundidade e complexidade ao desenrolar do caso, tornando a resolução óbvia e, em muitos pontos, repetitiva.
Ariadne Oliver e o ritmo do livro
Ariadne é uma personagem divertida e cheia de personalidade em outras histórias, mas em Elefantes Não Esquecem, sua investigação parece cansativa. A estrutura da narrativa, que se baseia em várias entrevistas com senhoras idosas que relembram fragmentos do passado, torna o enredo repetitivo e, por vezes, maçante. Apesar de a ideia dos “elefantes” ser interessante, a execução não consegue sustentar o suspense e acaba sendo monótona.
Além disso, a interação entre Ariadne e Poirot, normalmente um ponto alto nos livros da autora, parece menos inspirada aqui. É como se ambos os personagens estivessem desgastados, refletindo talvez o próprio estado de espírito de Agatha Christie na época da escrita.
Problemas de continuidade e verossimilhança
Outro ponto que chama atenção negativamente é a falta de coerência na cronologia e caracterização dos personagens. Por exemplo, Ariadne é descrita como amiga de escola de Margaret Ravenscroft, a mãe da jovem no centro do mistério. No entanto, considerando a primeira aparição de Ariadne nos livros de Christie, isso implicaria que ela deveria ter muito mais idade do que aparenta nesta história. Essa desconexão entre a cronologia e os fatos apresentados no livro tira um pouco da credibilidade da narrativa, especialmente para leitores habituados ao universo meticuloso de Christie.
Além disso, os jovens personagens da trama, como Celia, a afilhada de Ariadne, e seu noivo, não têm diálogos ou comportamentos que os tornem críveis como jovens da década de 1970. Eles parecem deslocados, como se pertencessem a outra época, o que pode ser resultado das dificuldades de Christie em se adaptar ao contexto moderno na fase final de sua carreira.
O estudo sobre Agatha Christie e seu declínio criativo
Uma das questões mais intrigantes sobre Elefantes Não Esquecem vai além da narrativa: há uma pesquisa acadêmica que sugere que esse livro pode ser uma evidência dos primeiros sinais de Alzheimer em Agatha Christie.
Um professor da Universidade de Toronto analisou a escrita da autora ao longo de sua carreira, comparando o vocabulário, a complexidade das frases e a variedade de palavras em seus romances. Ele observou que, em Elefantes Não Esquecem, há um aumento no uso de palavras indefinidas (como “alguma coisa” ou “alguém”) e uma redução significativa na diversidade de vocabulário em comparação com os primeiros livros de Christie.
Embora o estudo não possa ser conclusivo, é inegável que há uma simplicidade notável na linguagem e na estrutura de Elefantes Não Esquecem em relação a obras anteriores da autora. Esse declínio pode estar relacionado à idade avançada de Christie – ela já tinha mais de 80 anos na época da publicação do livro – e reflete os desafios de manter a qualidade criativa ao longo de uma carreira tão extensa.
Por que “Elefantes Não Esquecem” é um livro inferior?
Comparado a outros mistérios de Poirot, Elefantes Não Esquecem se destaca negativamente pela previsibilidade. Para leitores experientes no universo de Agatha Christie, as pistas entregam o desfecho com facilidade. Elementos como o cachorro do casal que não reage à presença de estranhos e as perucas da mãe são apresentados de forma tão evidente que eliminam qualquer surpresa no clímax.
Além disso, a ambientação e o desenvolvimento dos personagens não têm o mesmo brilho que encontramos nos seus livros mais clássicos. A narrativa parece menos lapidada, o que dá a impressão de que o livro foi escrito às pressas ou sem o mesmo cuidado que Christie dedicava às suas obras anteriores.
Reflexões finais sobre a obra
Apesar de suas falhas, Elefantes Não Esquecem ainda carrega elementos característicos do estilo de Christie, como a habilidade de criar um mistério a partir de um evento aparentemente simples e o charme dos diálogos entre Poirot e Ariadne. Além disso, o tema da memória – explorado de forma quase metafórica com as “elefantes” que nunca esquecem – é um ponto que merece destaque, especialmente quando consideramos o possível estado mental da autora na época.
No entanto, para fãs que esperam o brilho de outros clássicos de Poirot, este livro pode ser uma leitura decepcionante. Ele serve mais como uma curiosidade na vasta bibliografia de Agatha Christie do que como um exemplo de sua genialidade.
E vocês, já leram esse livro? O que acharam da história e de sua execução? Deixe sua opinião nos comentários – quero muito saber como vocês interpretam essa fase final da carreira da Rainha do Crime. Ah, e não se esqueça de curtir o post e seguir para mais análises e curiosidades sobre o universo dos mistérios. Até a próxima!